5. Técnica – Quais as aves mais difíceis e quais as mais fáceis de fotografar?

Quais são as espécies de aves mais difíceis e quais são as mais fáceis de fotografar na nossa região?

Esta pergunta, muito usual, pode ter muitas respostas. Há opiniões. Aqui ficam algumas ideias e sugestões. Mas, quem disser o contrário do que eu digo pode também ter muita razão.

Devemos em primeiro lugar considerar que as respostas podem ser diferentes se estivermos a considerar fotografias de primeiros planos com boa qualidade ou simplesmente registos fotográficos de fraca qualidade, que apenas permitem identificar a espécie e servir de prova do seu avistamento.

Além disso, o grau de dificuldade varia de região para região e, portanto, de pessoa para pessoa. É diferente viver num apartamento em Lisboa ou numa casa onde os papa-figos ou o bico-grossudo frequentam o quintal.

Ainda assim, há uns princípios gerais que poderemos ter em conta.

 

5.1 As mais difíceis

De um modo geral as aves mais difíceis de fotografar são as mais raras, as mais desconfiadas e esquivas e também as mais bem camufladas e/ou de hábitos mais discretos.

De acordo com estes critérios são muito difíceis de fotografar as grandes águias. São muito pouco numerosas, são muito desconfiadas e ariscas. Têm também uma visão excelente que lhes permite avistar e reconhecer as suas presas e os seus potenciais predadores. Por isso, em geral, fotos de primeiros planos destas rapaces, só se conseguem obter recorrendo a abrigos especializados onde se usa isco adequado para atrair as aves. Vejam-se as nossas Monografias 4 – Águia-real e Águia-imperial e 5 – Águia-de-Bonelli.

Águia-real – áquila chrysaetus – fotografia de abrigo em Castela e Leão
Águia-imperial – áquila adalberti – fotografia de abrigo em Castela e Leão
Águia-de-Bonelli – áquila fasciata – fotografia de abrigo na Extremadura

Uma outra forma de conseguir uma aproximação às grandes águias é localizar um ninho em actividade e montar um abrigo na proximidade. No entanto esta prática é eticamente condenável, para não dizer criminosa. Trata-se de espécies ameaçadas, com uma taxa de sucesso de reprodução baixa. Não é admissível qualquer comportamento que perturbe a sua reprodução. Há que manter as distâncias.

Completamente diferente, no que respeita ao grau de dificuldade, é avistar ou fotografar à distância, em voo ou pousadas, algumas destas espécies. Por exemplo, é relativamente fácil obter registos fotográficos da águia-imperial no Parque Nacional de Monfragüe, em Espanha. Também não é difícil avistar e registar em voo a águia-de-Bonelli.

Águia-imperial – áquila adalberti – fotografada em Monfragüe, Portilla del Tietar

É também interessante notar que o comportamento de algumas aves varia de região para região. Os grifos, por exemplo, são, em geral, muito esquivos e ariscos em Portugal, mas são relativamente fáceis de aproximar nalgumas zonas de Espanha, em Monfragüe, por exemplo.

Grifos – gyps fulvus – fotografados em Monfragüe, Salto del Gitano

De qualquer modo, a melhor maneira de fotografar os abutres é atraí-los para a vizinhança de um abrigo adequado, usando como isco a carcaça de um animal morto. É assim que se procede nos abrigos pagos para a fotografia destas espécies.

Bando de abutres sobre uma carcaça – gyps fulvus – foto de abrigo em Monfragüe
Grifo – gyps fulvus – foto de abrigo em Monfragüe
Abutre-preto – aegypius monachus – foto de abrigo em Monfragüe
Britango ou Abutre-do-Egipto -neophron percnopterus – foto de abrigo em Monfragüe
Quebra-ossos – gypaetus barbatus – fotografia de abrigo em Buseu, Catalunha

Outro caso interessante. As abetardas, sendo relativamente comuns nalgumas regiões do Alentejo, Extremadura e Andaluzia, são fáceis de fotografar à distância. Mas, como são muito esquivas e desconfiadas, é bastante difícil conseguir fotografias com bons primeiros planos. Só a partir de abrigos montados para o efeito e com muito tempo de espera (veja a nossa Monografia 3 – Abetardas e Sisões).

Abetarda – Otis tarda – Foto de abrigo no Alentejo
Sisão – tetrax tetrax – fotografado no Alentejo usando o automóvel como abrigo

Já os sisões, que frequentam as mesmas paragens, são muito mais numerosos, menos ariscos e muito mais fáceis de fotografar. Podem mesmo ser atraídos pelo som.

Curioso é o que se passa com os grous. Os grous invernam na nossa Península Ibérica (Novembro a Março) em grandes bandos. Em Portugal são às centenas, em Espanha aos milhares. São localmente muito abundantes. São grandes e fáceis de avistar e de fotografar ao longe e em voo.

Um bando de grous – grus grus – fotografados no Alentejo usando o automóvel como abrigo
Grou – grus grus – fotografado no Alentejo usando o automóvel como abrigo

No entanto são, em geral, bastante ariscos e não nos deixam aproximar sem que todo o bando levante voo. Mas, com persistência, repetindo as tentativas, insistindo muitas vezes, lá aparece um ou outro caso em que as aves são menos tímidas e permitem a nossa aproximação até uma distância adequada à fotografia de grandes planos. Os grous frequentam tradicionalmente zonas de montado onde se alimentam de bolota. Mas, em certas regiões de Espanha, com o cultivo intensivo de arroz, começaram a habituar-se a procurar alimento nos arrozais.

Grous na neblina – fotografados no Alentejo a partir do automóvel
Grou no nevoeiro – fotografado no Alentejo a partir do automóvel

São, aí, ainda mais fáceis de avistar, mas as fotografias no montado ficam muito mais interessantes.Outro factor a ter em conta na fotografia dos grous é o nevoeiro. No inverno o nevoeiro é muito comum nas regiões que frequentam. Alguma neblina pode permitir fotos interessantes. Com nevoeiro cerrado é difícil…

 

Os cortiçóis e as gangas são aves com plumagens vistosas e coloridas, em especial as gangas, mas que têm um extraordinário mimetismo. Pousados são difíceis de avistar à distância, excepto em voo em que sobressai o branco da parte inferior das asas. Em Portugal estima-se que existam 100 a 300 casais de cortiçol-de-barriga-preta. De ganga ou cortiçol-de-barriga-branca, pensa-se que existem 5 a 8 casais. Em Espanha estas populações são muito maiores, estimando-se que existam 8500 a 13500 e 8000 a 11000 cortiçóis e gangas, respectivamente.

Cortiçol-de-barriga-preta – pterocles orientales – fotografia de abrigo na região de Zaragoza
Casal de Gangas – pterocles alchata – fotografia de abrigo na região de Zaragoza

Para fotografar estas aves com algumas hipóteses de sucesso é necessário encontrar os charcos onde todas as manhãs vão beber e molhar a plumagem. Depois é necessário fazer uma espera e estar bem camuflado e muito silencioso.  Ver a Monografia número 2.

Um caso interessante, de espécie difícil, que podemos considerar como um exemplo do que é a extrema raridade em Portugal, é o da Trepadeira-dos-muros ou Trepa-fragas (Tichodroma muraria). Pensa-se que aparece no nosso país apenas um individuo isolado. Tem sido avistado em vários invernos recentes, alguns deles consecutivos, sempre no mesmo local, a Barragem de Santa Luzia na Pampilhosa da Serra. Trata-se, neste caso, de conseguir fotografar um caso da mais extrema raridade. Ainda assim, os hábitos repetitivos da ave e a sua conspicuidade fazem com que várias pessoas tenham conseguido obter fotos desta ave. São necessários, no entanto, vários km de más estradas e algumas horas de espera para se conseguirem resultados. Nós já a conseguimos fotografar em duas ocasiões (Janeiro de 2011 e Dezembro de 2014).

Trepadeira-dos-muros ou Trepa-fragas – Tichodroma muraria – fotografada na Barragem de Santa Luzia

A Codorniz é uma ave relativamente comum em todo o país, mas é mais fácil de se ouvir do que de se ver. É muito difícil de observar e ainda mais de fotografar. Lembro-me de, já lá vão 45 anos, acompanhar um amigo na caça às Codornizes com cão. Devo dizer que o trabalho do cão é extraordinário e espectacular. Fareja a codorniz, que se esconde imóvel, até se aproximar da ave a uma distância de um ou dois metros. Então pára, assinalando ao caçador onde está a preza. Mesmo nestas condições as codornizes só se vêem quando levantam voo.

Portanto, neste caso, a dificuldade da fotografia, não está na raridade da espécie,  nem na dificuldade de nos aproximarmos. Está na extraordinária capacidade que esta ave tem de se dissimular e se tornar invisível. Não mostro fotos desta espécie porque nunca consegui nenhuma.

Muito diferente é o caso do Alcaravão, que é uma espécie residente e invernante pouco comum, essencialmente nocturna e de comportamento discreto.

Neste caso, não é a raridade da ave, nem a dificuldade do seu avistamento que tornam a fotografia desta espécie difícil. É o extraordinário sentido de alerta e a sua vontade de se manter sempre bem longe de nós. Junto a melhor foto de alcaravão que conseguimos até agora. Mas, há vários fotógrafos de aves em Portugal que têm conseguido fotos excelentes.

Alcaravão – burhinus oedcnemus – fotografado no Alentejo usando o automóvel como abrigo

Outra espécie que considero muito difícil é o abetouro. É raro e extremamente bem camuflado nos caniçais que frequenta. Sei que tem aparecido um na Ponta de Erva e tenho visto boas fotografias. No entanto, apesar de ter tentado variadíssimas vezes, nunca consegui ver nenhum.

Outros casos emblemáticos de aves consideradas difíceis são as três espécies: uma de frango-de-água e duas de franga-de-água. São aves pouco numerosas, esquivas e bem camufladas.

 

5.2 As mais fáceis

Já no que respeita às aves mais fáceis de fotografar a escolha recai, naturalmente, sobre algumas das espécies mais comuns, mais visíveis e menos tímidas.

Referiremos aqui, como exemplos, o pardal-de-telhado, a gaivota-de-patas-amarelas, a cegonha-branca e o chapim-azul.

O pardal-de-telhado é extremamente comum e escolheu adaptar-se à convivência com o homem, frequentando casas e jardins e fazendo ninho nos telhados. É tão pouco tímido que chega a ser descarado. Podemos facilmente estimular esse descaramento com a oferta de uns pedacitos de pão.

Ainda que muito comum é um pássaro bonito, sendo o macho adulto, com o seu babete preto, claramente mais vistoso que os juvenis e que as fêmeas. Pode dar algumas fotografias muito interessantes. A técnica consiste em manter a câmara à altura da vista e fazer movimentos lentos. Escolher uma hora e orientação que proporcione uma luz adequada. O pardal-de-telhado é uma excelente espécie para se fazer a iniciação à fotografia das aves. Quando conseguir bons resultados está pronto para as etapas seguintes.

Pardal-de-telhado macho
Pardal-de-telhado macho
Pardal-de-telhado fêmea

A gaivota-de-patas-amarelas é, juntamente com o guincho, uma das gaivotas mais frequentes na nossa região. Pode ser facilmente observada em todo o litoral e também em muitas lixeiras, mesmo mais para o interior. É uma espécie que tem proliferado com a actividade humana, designadamente com a pesca. Os portos piscatórios são alguns dos locais onde é mais fácil observá-las e chegar suficientemente perto para fazer boas fotos. Algum isco pode ajudar. Uns pedaços de pão podem ser o suficiente para as atrair.

As gaivotas têm movimentos graciosos que permitem fotos de acção interessantíssimas. Há muitos fotógrafos que se dedicam a fotografar gaivotas sem que se interessem pela fotografia de aves em geral. São interessantes as fotos em voo, a poisar e levantar na água, as fotos de bandos, etc. São um excelente exercício de manuseamento de câmara fotográfica. Os resultados podem ser muito gratificantes. Os indivíduos adultos com plumagem branca e asas cinzentas, olhos com íris amarela, pupila preta e “óculos” vermelhos, são espectaculares. Dão lindos retratos.

Gaivota-de-patas-amarelas – larus michaehellis
Gaivota-de-patas-amarelas – larus michaehellis

A cegonha-branca, ou simplesmente cegonha, é uma espécie que todos conhecem e identificam com facilidade. Também aqui temos uma espécie que aprecia algum convívio com o homem construindo ninhos em torres e noutros edifícios e também em árvores e postes telefónicos e de electricidade. São muito fáceis de avistar e ocorrem por vezes em grandes bandos com centenas de indivíduos.

Tem um voo de velocidade uniforme, muito regular e relativamente lento. Este facto, associado às grandes dimensões, fazem com que as cegonhas sejam seguramente a espécie mais fácil de fotografar em voo. Essa é uma das razões da sua inclusão neste grupo de aves mais fáceis de fotografar. São também fáceis de fotografar no ninho e a chegar ao ninho. São fáceis de fotografar durante os chamamentos em que deitam o pescoço para trás enquanto produzem um som claque-claque-claque… com batimentos do bico. Desde que não se abuse, não há aqui grande perigo de prejudicar as aves. São uma espécie comum e tolerante da presença humana.

Bando de cegonhas-brancas – ciconia ciconia
Cegonha-branca – ciconia ciconia
Cegonha-branca – ciconia ciconia

A escolha do chapim azul, para integrar esta lista de aves fáceis de fotografar, necessita de uma justificação. De facto, ao contrário das espécies anteriores, não é muito fácil de avistar. Gosta de zonas arborizadas e prefere o interior das copas. No entanto é comum e é uma das espécies muito fáceis de atrair com o som de gravações do seu canto. Por isso a escolhemos para exemplo deste método de atrair aves. Trata-se de um método eficaz, mas que se deve utilizar com precaução, evitando excessos que possam ser prejudiciais às aves. Veja o nosso artigo 4. Técnica – Como chegar perto das aves.

Escolha uma zona arborizada. Seleccione um local abrigado que possa disfarçar a sua silhueta e onde se possa instalar, de preferência sentado, e relativamente camuflado. É uma boa oportunidade par usar uma rede de camuflagem, ou para se iniciar na utilização de um pequeno abrigo. Prepare o equipamento de som com o altifalante numa posição próxima do local onde pretende que o chapim venha pousar. Instale uns poleiros para o efeito. Ligue o som e espere um pouco. Em geral, os chapins-azuis da vizinhança aproximam-se em poucos minutos. É uma boa ideia usar tripé e ter a objectiva pré focada para o poleiro ou para outros pontos que sejam da predilecção dos passarinhos.

A única dificuldade destas fotos é o comportamento saltitante dos chapins que dificulta a focagem e o enquadramento. Procure extinguir o som quando as aves estiverem próximo do altifalante. Ficam menos stressadas e mais fáceis de fotografar.

Não abuse da duração deste procedimento. O bem estar das aves é mais importante do que conseguir boas fotografias.

Chapim-azul – parus caeruleus
Chapim-azul – parus caeruleus

 

4 comentários em “5. Técnica – Quais as aves mais difíceis e quais as mais fáceis de fotografar?”

  1. Incontornável, amigo Henrique! Mais uma vez, muitos parabéns à melhor dupla de fotógrafos que conheci até hoje. Abraço.

  2. Muito interessante e útil o que escreve. Fotografar aves exige de quem se apaixona por elas além do tempo, uma dose elevada de paciência e material fotográfico de relativa boa qualidade. Obrigado pela ajuda que nós dá.

  3. Adorei o site e todas as matérias aqui contidas. Apesar de estar no Brasil e nossa fauna e flora serem diferentes em muitos aspectos, estou apreciando demais todas as dicas e informações, além de conhecer um pouco as aves de Portugal, lugar maravilhoso que tive oportunidade de conhecer brevemente. Parabéns!

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